Magistratura foi elo entre elites e dom Pedro em Independência na Bahia
Novas pesquisas lançam luz sobre atuação da Justiça e Ministério Público nas lutas baianas
RedaçãoA magistratura atuou como elo entre as elites da Bahia e o então príncipe regente, dom Pedro de Alcântara, tendo papel relevante na consolidação da Independência do Brasil, iniciada e concretizada na Bahia após conflitos armados que se encerraram há 202 anos.
Em 16 de fevereiro de 1822, quando Salvador enfrentava tensões que resultariam nos primeiros conflitos, dom Pedro instaurou o Conselho de Procuradores das Províncias do Brasil, com atribuições de aconselhar o imperador, examinar projetos de reforma administrativa e defender os interesses das províncias.
Dom Pedro determinou que o decreto seria executado pela primeira vez pelo desembargador Antônio José Duarte de Araújo Gondim, magistrado de confiança da elite baiana que estava no Recôncavo Baiano. O objetivo era fazer com que a Bahia fosse a primeira província a indicar um procurador.
A decisão revela uma tentativa de dom Pedro de garantir a adesão dos magistrados do Tribunal da Relação da Bahia e do procurador dos feitos da Coroa e promotor de Justiça, reconhecendo a necessidade de inclusão da Bahia em seu projeto político para efetivar a Independência do Brasil.
Essa e outras informações inéditas fazem parte da "Nota Técnica sobre a Participação do Ministério Público do Estado da Bahia, Notadamente do Procurador dos Feitos da Coroa e Promotor de Justiça, através do Tribunal da Relação, nos Eventos e Acontecimentos da Guerra de Independência do Brasil na Bahia, o 2 de Julho".
O documento foi elaborado pelas autoras deste artigo, pesquisadoras da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a pedido do Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Ministério Público do Estado da Bahia, coordenado pelo promotor Alan Cedraz Carneiro Santiago.
Novas pesquisas serão realizadas com o objetivo de mapear, de maneira inédita e ao longo de um ano, a atuação jurídica, às vezes politicamente ambígua, do procurador dos feitos da Coroa e promotor de Justiça.
Pesquisas iniciais apontam que, ao mesmo tempo em que preservava interesses da elite baiana escravista, ele atuava na garantia da dignidade humana. Em alguns casos, viabilizou demandas por cidadania e direitos da população escravizada, liberta, pobre, indígenas e feminina.
Em fevereiro de 1821, por exemplo, na conflituosa conjuntura de adesão da Bahia ao movimento constitucional português de 1820, o desembargador Luiz Manoel de Moura Cabral, do Tribunal da Relação da Bahia, relatou as condições sub-humanas a que estavam submetidos centenas de presos políticos da Revolução Pernambucana de 1817, encarcerados na prisão do Aljube, em Salvador.
Moura Cabral interferiu pessoalmente para pôr fim às torturas e à distribuição de comidas estragadas, conforme denunciado pelos próprios presos, como Cipriano Barata e Antônio Carlos da Silva Andrada.
Desta forma, evitou que mais presos políticos fossem executados e conseguiu que dom João 6º assinasse a anulação do processo criminal e a libertação dos acusados.
Não parece ter sido por outra razão que o desembargador Luiz Manoel de Moura Cabral foi escolhido para presidir a segunda Junta Governativa da Bahia, instalada em 31 de janeiro de 1822. A primeira Junta foi deposta por estar alinhada com a tentativa de recolonização do Brasil pelas cortes de Lisboa.
Moura Cabral teve um papel fundamental na adesão da elite baiana à causa da Independência do Brasil e na radicalização da guerra contra os portugueses na Bahia. Sua ação política resultou em um manifesto chamado "Brasileiros", assinado por dom Pedro em 1º de agosto de 1822.
No documento, ele convocou "valentes mineiros, intrépidos pernambucanos defensores da liberdade brasílica" à Bahia: "Não é a causa de uma província; é a causa do Brasil que se defende na Primogênita de Cabral". Era o início da Independência do Brasil, concretizada em 2 de julho de 1823.