Decisão do STF sobre big techs deixa cenário eleitoral em aberto
Tese que ampliou obrigações para redes sociais tem ressalva
RedaçãoAo estabelecer uma série de novas obrigações para redes sociais e hipóteses em que elas podem ser responsabilizadas pelo conteúdo de terceiros, o STF (Supremo Tribunal Federal) fez uma ressalva em relação às regras eleitorais.
Com isso, segundo especialistas consultados por meio de comunicação nacional, o resultado do julgamento sobre o Marco Civil da Internet ainda deixa em aberto o cenário de regras que valerão nas próximas eleições, em 2026.
Tal definição envolverá o desenrolar de diferentes fatores. Entre eles: o Congresso aprovar ou não um novo Código Eleitoral —e que trate do assunto—, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) atualizar suas regras sobre propaganda eleitoral e, por fim, a possibilidade de a corte eleitoral definir novos entendimentos a partir de processos que cheguem a ela.
Além disso, a maioria deles entende que a tese aprovada pelo STF corrobora o entendimento de que o TSE tem poder para criar obrigações e ampliar as hipóteses de responsabilização das plataformas.
Na tese divulgada nesta quinta-feira (26), o STF afirma que, enquanto não houver nova lei a respeito, o artigo 19 do Marco Civil da Internet deve ser interpretado de forma que os provedores de aplicação —como é o caso das redes sociais— estão "sujeitos à responsabilização civil, ressalvada a aplicação das disposições específicas da legislação eleitoral e os atos normativos expedidos pelo TSE".
Principal ponto em discussão no julgamento, esse artigo previa que as redes só estavam sujeitas a pagar indenização por um conteúdo postado por terceiro se, após uma decisão judicial ordenando a retirada, mantivessem o conteúdo no ar.
Na tese aprovada, a corte ampliou as hipóteses de exceção a essa regra –que até então incluíam apenas nudez não consentida e violação de direitos autorais. Também criou a obrigação de moderação pró-ativa pelas redes para um rol de temas, prevendo punição em caso de falha sistêmica.
Em 2024, o TSE já tinha aprovado uma resolução mais dura contra as plataformas, prevendo, por exemplo, que as redes podem ser responsabilizadas caso não removam "imediatamente" certas categorias de conteúdo, como discurso de ódio, que configurem crimes antidemocráticos e desinformação contra o processo eleitoral.
Sem um gatilho explícito para essa possível responsabilização, não havia clareza no entanto quanto a como essa regra seria aplicada —ou seja, se a lacuna seria completada com o que prevê o artigo 19 do Marco Civil ou não. Passada a eleição, a dúvida seguiu em aberto, já que não chegou a ser alvo de decisão.
Para Fernando Neisser, advogado e professor de direito eleitoral da FGV-SP, a decisão do Supremo foi no sentido de afirmar que a tese aprovada nesta semana se aplica para situações fora do contexto eleitoral e que, nele, valerão as regras eleitorais.
Ele interpreta que, apesar de a tese não afirmar isso explicitamente, ao flexibilizar o artigo 19 em diversas situações e dizer que o TSE edita normas, o STF estaria dando a possibilidade de também a corte eleitoral flexibilizar essas regras.
"A sensação é essa, de que se aponta um caminho de validação da flexibilização do artigo 19 também no campo eleitoral", diz ele. "Mas, na prática, a gente só vai saber isso um pouco mais adiante", diz Neisser, listando como variáveis eventual alteração legislativa, atualização de norma pelo TSE ou avanço de jurisprudência da corte sobre o assunto.
Na avaliação de Francisco Brito Cruz, professor do IDP e especialista em direito digital e eleitoral, o STF traçou uma linha de separação com a temática eleitoral. "O que o Supremo está falando é assim: ‘Olha, se o artigo 19 não existe mais, o que vale para o eleitoral é o que tem no eleitoral’. Acho que foi isso que ele quis dizer", diz ele.
"[Mas] não quer dizer que a gente saiba qual é o caminho de interpretação. Tem algumas coisas que vão precisar ser conciliadas, na minha opinião, no próximo processo de resolução do TSE", diz Brito Cruz.
Ele aponta não haver uma previsão de qual seria a punição para as redes em caso de descumprimento das obrigações, por exemplo, e que, independentemente da decisão do Supremo, haveria um outro conflito sobre necessidade de notificação judicial –no caso com a Lei das Eleições– que não estaria superado.
Para André Boselli, coordenador de ecossistemas de informação da ONG Artigo 19, organização que atua na temática de liberdade de expressão, a tese aprovada pelo STF sinaliza um entendimento de que o TSE pode criar novas exceções para responsabilização das redes sociais. E, ainda, que a tese vai num caminho de validação de uma interpretação mais abrangente das regras já aprovadas em 2024.
"Se a interpretação que eu fiz estiver correta, ou seja, o STF reconhecendo que as exceções que a Justiça Eleitoral criou são válidas, são constitucionais, então nada impede que o TSE tenha essa competência, segundo o entendimento do STF, para criar novas exceções", diz.
Flávia Lefèvre, especialista em direito digital e do consumidor, por sua vez, entende que tanto as regras eleitorais como de defesa do consumidor e de proteção a crianças já criavam um dever de ação das plataformas, que deveriam remover conteúdo preventivamente. Por isso, para ela, o julgamento do STF nem sequer seria necessário para possibilitar que as redes fossem responsabilizadas independentemente de descumprimento de ordem judicial.
Ela considera, assim, que a tese do Supremo só vem "reafirmar o alcance, a eficácia, a legalidade das disposições que o TSE estabeleceu".
"[A tese] corrobora, confirma, a posição do TSE e o poder que o TSE entende ter na regulação desses temas na época de contexto eleitoral", diz ela.