Bruxas fazem poções e lançam feitiços sob as brumas de Paranapiacaba
Convenção de magia, com atividades e milhares de visitantes, termina no sábado (24) e domingo (25).Com sua neblina quase constante e suas casinhas de madeira, a histórica e misteriosa vila de Paranapiacaba, nas cercanias de Santo André (SP), recebeu neste fim de semana milhares de feiticeiros, adivinhos e curiosos em geral para a 20ª Convenção de Bruxas e Magos do Brasil, o evento anual mais aguardado no calendário mágico do país.
Tarô tradicional, borra de café, mesa radiônica de São Rafael. Baralho cigano, baralho de malandro, baralho de pombagira. Runa das bruxas, magia das pedras e bola de cristal. São alguns dos serviços prestados na Casa do Oráculo.

Saltitando pelos paralelepípedos da mal-assombrada Paranapiacaba, em meio a pequenas montanhas e cheia de subidas e descidas, você pode conseguir fazer uma pergunta grátis aqui ou acolá, mas uma leitura completa do tarô foi oferecida à reportagem por R$ 100 neste sábado (17). Vale negociar.
O evento normalmente acontece em um fim de semana. Mas neste aniversário de duas décadas, excepcionalmente, a convenção seguirá até o sábado (24) e domingo que vem (25).
Magia dos Signos, o poder das horas iguais, show de dança das bruxas. Saída da caminhada do amor, devoção e sacerdócio hekatino, mística das abelhas. Celebrações sazonais da era viking, druidismo à brasileira e dança ritualística dos quatro elementos com música indígena NoKuMana.
São palestras, mesas de debate e apresentações. Neste ano, a Convenção de Bruxas e Magos oferece cerca de 700 atividades, envolvendo 500 profissionais. Para as palestras, a organização oferece o ByPass, por R$ 85, facilitando acesso às salas.

Há ainda 60 expositores —isso sem contar as lojas normais da cidade e os inúmeros vendedores nas ruas, que não entram nessa contabilidade.
Contabilidade, aliás, é a formação secular da bruxa Tânia Gori, responsável pela criação do evento em 2003.
Naquela ocasião, ela reuniu 20 ou 25 participantes para dez atividades. Agora, são esperados 40 mil em quatro dias. São bruxas de vestidos esvoaçantes, magos imponentes com barbas e coletes, crianças fantasiadas com chapéus e varinhas. Talvez 90% do público se vista com a mesma cor: preto.
"Eu já havia aberto a Casa de Bruxa em Santo André, em 1997, e a Universidade Livre Holística, em 2002, onde oferecemos umas 50 formações, como astrologia, numerologia, tarô, runas, massagem terapêutica, aromaterapia, cromoterapia", conta Gori.
"Foi quando surgiu a ideia desse evento, inspirado pelos pontos energéticos do mundo. Locais como São Tomé das Letras, Machu Picchi, Egito e... Paranapiacaba. A terceira edição, que caiu em uma sexta-feira 13, atraiu a TV Globo. O Márcio Canuto fez uma daquelas reportagens dele aqui e, no dia seguinte, o pessoal lotou", lembra ela.

Incensos de breu branco, de sete chakras e de agarwood. De mirra, de benjoim e de bem-aventuranças. De arruda e sal grosso, de palo santo e de limpeza. Todos da Shakti Alquimia.
Quem os fabrica é o aromaterapeuta, botânico e alquimista Roger Consoli. Ele tem dezenas de opções, mas se orgulha especialmente de alguns. "O incenso Om é a transformação das notas musicais do om [mantra do hinduísmo] em aroma, através da alquimia", explica.
Outro é o Exodus, uma recriação bíblica do incenso apontado por Moisés ao descer da montanha com os dez mandamentos. "A tradução completa desse incenso se perdeu, então fui ler a Bíblia em grego e latim, e o Torá." O incenso é feito de bálsamo, onicha, gálbano, olíbano e sal. Cada um sai por R$ 39, com dez pauzinhos.
Em 2024, choveu terrivelmente no fim de semana da convenção. Neste ano, porém, os céus se abriram para as bruxarias e forneceram uma temperatura de até 24°C para os magos de fim de semana.
Mas foi preciso levar blusinha. Às 15h do sábado, o sol sumiu e a famosa neblina de Paranapiacaba se estabeleceu na vila. Derrubou o clima ameno e tornou impossível ver algo além de vultos a meros dez metros de distância.
Criada em Santo André, Tânia Gori vem de uma tradição esotérica. "Minha bisavó era cigana, que fugiu para o Brasil da Romênia nos anos 1940. Ela se apaixonou por um espanhol e não queria se casar com o noivo escolhido pela família", conta
"Juntou as malas com o espanhol e se esconderam no porão de batata de um navio. Nem sabiam qual era o destino e acabaram no Brasil. Minha avó foi feita naquela viagem." Essa avó ensinou a Tânia sobre ervas e cristais, mas também explicou que esses conhecimentos atraiam preconceito.
"Não conta que é cigana, porque acham que vai roubar criança, vão falar que é ladrão. Era isso que eu ouvia em casa", diz ela. Assim, o trabalho de vida de Tânia é desmistificar as artes mágicas da bruxaria, exaltando a espiritualidade livre e a filosofia que apenas busca uma qualidade de vida melhor.
Por R$ 15, você pode atirar três flechas em um pôster do Minotauro. Mas por que o Minotauro? Ricardo Avari, da Arquearia Uybassy (flecha envenenada em tupi), explica que o monstro "representa o nosso pior, nosso lado agressivo".
No estande da Ravenheart, por R$ 30, é possível comprar gargantilhas (ou chokers) de veludo com metais em formatos de pentagrama, serpentes, mariposas, lua minguante ou lua cheia. Mas atenção: cada um é cada um, pois eles servem –segundo a crença– para, respectivamente, proteger, renovar, metamorfosear, isolar ou expandir. Trocar um por ouro é receita de desastre místico.

Há um interesse especial da reportagem pelas famosas poções das bruxas, cozidas em caldeirões de ferro fumegantes em pequenos casebres de madeira no meio da floresta.
"Sim, fazemos poções", diz Tânia Gori. "Veja nossa cozinha agora. Elas estão ali fazendo chocolate, misturando nas panelas. Isso é uma poção. Porque o chocolate é regido por Júpiter. Então, você acreditando ou não, ele vai te dar uma alegria, porque Júpiter é um planeta que traz alegria. E o legal é que esse nosso conhecimento é de séculos atrás. E agora descobriram que o chocolate tem vários ingredientes que ativam a alegria nas pessoas."
Mas tem poção de amor? Ou poção para fazer maldades? "A magia é neutra", diz ela, séria. "A água pode ser usada para matar sede ou para afogar. Mas as bruxas do mal não estão aqui na convenção. Elas preferem ficar entre elas. Aqui só tem bruxa do bem", finaliza Tânia, enquanto pede uma poção para beber: "Desça aí um choconhaque, por favor".
Fonte: Revista40graus / Folha