Quando o 190 silencia e a barbárie fala mais alto
Justiça com as próprias mãos é crime — e cobra um preço alto de quem age e de quem finge não verA cena parece absurda, mas aconteceu em plena luz urbana de Teresina: empresários decidiram substituir a lei por barras de ferro, facões e uma convicção perigosa — a de que matar resolve problema. Na manhã desta segunda-feira (15), três deles confessaram à Polícia Civil do Piauí a execução de José Carlos Costa Araújo, homem em situação de rua, na Avenida Maranhão. O motivo? Furtos. A resposta? Um homicídio brutal.
Segundo a polícia, não houve excesso: houve barbárie. A vítima foi perseguida, caiu no asfalto, tentou se defender com as mãos — uma delas, depois, decepada. Facões, barras de ferro, retaliações. Tudo registrado em vídeo. Tudo feito sem pressa. Tudo diante de motoristas e motociclistas que preferiram desviar do corpo humano no chão do que discar três números: 1-9-0.
Dois empresários falaram. Um ficou em silêncio. Os que falaram disseram que o plano era “cessar os furtos”. Conseguiram algo bem diferente: agora respondem por um crime hediondo, estão presos preventivamente e carregam a marca de quem trocou a fechadura da lei pela lâmina da vingança — como bem resumiu o delegado Jorge Terceiro.
A ironia é cruel: após o assassinato, os mesmos empresários reforçaram a segurança das lojas, contratando serviço especializado. Ou seja, a solução legal sempre existiu. Mas foi escolhida só depois que a ilegalidade máxima — tirar uma vida — foi cometida.
A polícia foi clara: fazer justiça com as próprias mãos não transforma ninguém em herói cansado da violência. Transforma em criminoso. Igual — ou pior — àquilo que se diz combater. As consequências são previsíveis: prisão, processo, condenação e o peso de um homicídio que não se apaga com discurso de “somos vítimas”.
E há ainda um silêncio que também grita. O silêncio de quem passou, viu, desviou e seguiu viagem. Não segurou a vítima, não conteve os agressores, não ligou para o 190. Não fez nada. A omissão não empunhou o facão, mas ajudou a abrir caminho para ele.
No fim, sobra a constatação incômoda: quando a sociedade decide terceirizar a justiça para o ódio e para a indiferença, o resultado não é ordem — é caos. E a conta chega. Para quem mata. E para quem finge que não viu.
Fonte: Revista40graus, SSP-PI, mídias e colaboradores
