A economia dos Estados Unidos está mais frágil do que parece

Seis meses depois da posse de Trump, maior potência econômica mundial está sapo em água fervente
Redação

O segundo mandato de Donald Trump já tem seis meses. Apesar dos temores em torno da agenda de aumento de tarifas do presidente dos EUA, aqueles que acreditavam que a economia norte-americana se sairia bem estão se sentindo validados por alguns dados recentes.

Em junho, o crescimento de empregos superou as expectativas e os dados de inflação mostraram apenas sinais modestos de um aumento relacionado às tarifas. O S&P 500 fechou em alta recorde na quinta-feira (17). A temporada de resultados do segundo trimestre também entregou resultados "melhores do que o esperado" para as maiores empresas norte-americanas.

Mas a economia dos EUA está muito mais frágil do que essas métricas sugerem.

Continue lendo após a publicidade
Foto: Brendan Smialowski/AFP
Presidente dos EUA, Donald Trump, participa de uma mesa redonda de discussão "Investir na América" na Casa Branca em Washington, em 9 de junho de 2025

Primeiro, o mercado de trabalho. Os recentes dados mensais de criação de empregos não agrícolas superaram as expectativas de consenso na primeira estimativa. Isso deu ao mercado de ações um motivo para se recuperar.

Mas o número total de empregos é enganoso. Desde fevereiro, a economia dos EUA criou 671 mil empregos, dois terços dos quais vieram de setores menos dinâmicos, incluindo saúde, governo e educação.

Em junho, o índice de difusão da folha de pagamento da Secretaria de Estatísticas Trabalhistas para o setor privado caiu abaixo de 50, significando que mais setores estão eliminando empregos do que ganhando. Isso é uma raridade fora de uma recessão.

Pesquisas de Peter Berezin, estrategista-chefe global da BCA Research, sugerem que o mercado de trabalho dos EUA está próximo do ponto em que qualquer queda adicional na demanda poderia aumentar significativamente a taxa de desemprego.

"Até agora, os empregadores americanos têm respondido principalmente ao ambiente de alta incerteza e taxas de juros fechando vagas", observa Berezin. "Mas agora que as ofertas de emprego estão mais próximas do normal, está ficando mais difícil para trabalhadores demitidos encontrarem outro emprego."

Há também preocupações sobre a qualidade dos dados de emprego, em parte devido à queda nas taxas de resposta às pesquisas. Os empregos mensais foram superestimados em uma média de 75 mil em 2024.

De fato, a sequência de dados de emprego inicialmente melhores do que o esperado neste ano foi revisada para baixo em estimativas subsequentes. (As revisões, no entanto, são menos notadas pelo mercado.)

Segundo, o mercado imobiliário. "Imóveis são a parte da economia mais sensível às taxas de juros e, como tal, historicamente têm levado a economia a recessões", diz Mark Zandi, economista-chefe da Moody's Analytics. "Isso não aconteceu até agora, mas, com as taxas permanecendo teimosamente altas, a situação pode mudar."

Hipotecas fixas de 30 anos têm sido comuns, e a participação de novas hipotecas com taxas ajustáveis também caiu drasticamente desde o final dos anos 2000. Isso significa que os efeitos de taxas de juros mais altas podem demorar mais para mexer com a economia real (e os dados).

Mas agora elas estão surtindo efeito. Compradores de primeira viagem estão alocando uma parcela maior de suas rendas medianas para pagamentos de hipotecas do que no pico da bolha imobiliária em 2006. A proporção de hipotecas em aberto com taxas acima de 6% aumentou no período pós-pandemia.

O volume de estoques de casas novas não vendidas também subiu para o nível mais alto desde meados de 2009.

Terceiro, o consumo. Depois de impulsionar o crescimento pós-pandêmico dos Estados Unidos, os gastos mensais reais dos consumidores têm caído desde dezembro de 2024.

Famílias de baixa renda foram as primeiras afetadas: primeiro pelas altas taxas de juros, e agora pelos aumentos de preços ligados às tarifas e à incerteza econômica mais ampla.

Mas até agora, os gastos gerais têm sido sustentados por grupos abastados —os 20% mais ricos (que ganham mais de US$ 250 mil anualmente) respondem por mais de 60% dos gastos pessoais, segundo Zandi.

Isso está mudando agora. "Por trás dos recentes dados moribundos de gastos do consumidor estão famílias ricas mais cautelosas", alerta Zandi. "Daqui para frente, os aumentos de preços das tarifas prejudicarão mais aqueles com rendas mais baixas. Mas à medida que a economia mais apertada também alcança os ricos, a demanda do consumidor pode cair mais rapidamente."

Dados da Pantheon Macroeconomics mostram que famílias em toda a distribuição de renda estão próximas de esgotar as economias excedentes que acumularam durante a pandemia (como resultado do apoio governamental e dos lockdowns). Essas reservas de dinheiro sustentaram o recente boom de gastos.

Não se espera que a "grande e bela lei" de Trump forneça muito mais estímulo para os consumidores. De acordo com o Penn Wharton Budget Model, a legislação reduzirá a renda dos dois quintos inferiores após impostos e transferências até 2030. Famílias com rendimentos mais altos ganharão, indiretamente, com aumentos nos lucros corporativos, que também têm maior probabilidade de poupar do que gastar.

Quarto, o mercado de ações. O S&P 500 tornou-se cada vez mais desconectado das variáveis econômicas reais na última década, tornando-o um indicador menos útil da economia dos EUA.

"O peso das Sete Magníficas [maiores big techs] e do setor de tecnologia mais amplo nos índices de ações dos EUA cresceu na última década —bem acima de sua participação real no PIB", diz Jonas Goltermann, economista-chefe adjunto de mercados da Capital Economics. "Cerca de 40% dos lucros agora vêm de fora do país também."

O S&P 600 — um índice de empresas americanas de pequena capitalização, que dependem mais das condições econômicas locais— caiu desde a posse do segundo mandato de Trump, enquanto o S&P 500 subiu.

A indústria de tecnologia e software também está relativamente protegida das tarifas atualmente em vigor (embora a administração esteja trabalhando em taxas setoriais).

Em outros lugares, no entanto, mais de 40% das empresas que usam produtos importados, tanto na indústria manufatureira quanto de serviços, relataram até agora uma diminuição nas rendas líquidas, de acordo com uma pesquisa recente do Fed de Nova York.

Finalmente, há razões mais prosaicas para as preocupações elevadas sobre os planos de política de Trump e a aparente resiliência da economia dos EUA.

Para começar, a agenda tarifária completa do presidente nem está em vigor. Neste momento, de acordo com dados do Yale Budget Lab, a taxa tarifária efetiva média dos EUA é de 16,6%, e a partir de 1º de agosto —o último prazo do presidente dos EUA para implementar taxas "recíprocas"— será de 20,6%.

A taxa prevalecente é aproximadamente sete vezes maior do que era no ano passado. Mas o repasse de preços mais altos para a economia real tem sido contido por empresas que reduzem seus estoques pré-tarifa.

Ainda assim, uma diferença está se abrindo entre o preço de varejo de produtos tarifados e produtos não afetados pelas tarifas de Trump, de acordo com dados do Pricing Lab da Harvard Business School. Isso é mais difícil de detectar nos relatórios de inflação mês a mês, que agregam uma variedade de produtos importados e não importados.

Mesmo que Trump continue a adiar as tarifas, os estoques se esgotarão e os preços aumentarão com base nas tarifas existentes. (Os analistas esperam que a maioria dos estoques se esgote durante os meses de verão.)

Em outras palavras, a série de sólidos resultados corporativos do segundo trimestre não é um bom indicador do impacto potencial das tarifas nos negócios em geral ou de onde a economia pode estar no futuro próximo.

A forte valorização do S&P 500 também reflete suposições sobre o futuro, não apenas dados econômicos recentes. Berezin observa que o otimismo em torno da inteligência artificial está atuando como um "forte impulso" para os investidores. Além disso, depois de adiar e reduzir suas ameaças tarifárias várias vezes, os analistas parecem estar precificando o chamado comércio "Taco", que se refere à narrativa de que "Trump Sempre Desiste" (ou Trump Always Chickens Out, em inglês).

Essa perspectiva otimista pode não se concretizar. Ações americanas supervalorizadas correm o risco de dar lugar a uma correção dolorosa.

Os recentes meses de incerteza também reduzirão a atividade empresarial futura, mesmo que os planos tarifários do presidente sejam diluídos novamente. Por exemplo, o indicador de intenções de investimento empresarial da BCA Research em todos os EUA está em território recessivo. Os planos de contratação também diminuíram.

A economia dos EUA é como um sapo em água fervente. Os mercados de trabalho, imobiliário e de varejo estão desacelerando e estão próximos de um ponto de virada. O mercado de ações otimista e os grandes players corporativos estão encobrindo a fraqueza subjacente.

O ambiente político também não oferecerá muito apoio. A incerteza está impedindo o Federal Reserve de cortar as taxas de juros. O governo pode pensar que remover o presidente do Fed, Jerome Powell, é a resposta. Mas como os rumores de sua demissão recentemente mostraram, fazer isso aumentaria as taxas de juros de longo prazo e prejudicaria as ações americanas supervalorizadas. Nem se projeta que o projeto fiscal recentemente aprovado por Trump forneça um impulso significativo para a economia.

Se o presidente dos EUA não recuar decisivamente de sua agenda protecionista em breve, é difícil prever algo que impeça esse castelo de cartas de desmoronar.

Leia também