Atuação de Eduardo Bolsonaro no exterior desafia Justiça e pode gerar cassação
Especialistas falam em conduta atípica que dificulta classificação e citam possibilidade de cautelarA atuação esdrúxula do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) no exterior, em que pede sanções ao país e a autoridades brasileiras, dificulta o enquadramento da atitude atípica em crime e poderia gerar a cassação do mandato, na opinião de especialistas ouvidos por meio de comunicação nacional.
Eles falam sobre a cassação como um caminho possível uma vez que o deputado estaria descumprindo o dever fundamental previsto no regimento da Câmara de "promover a defesa do interesse público e da soberania nacional" e citam a possibilidade de pedidos de medidas cautelares se o inquérito contra o deputado no STF (Supremo Tribunal Federal) avançar.

Na contramão da interpretação dos especialistas, Eduardo Bolsonaro falou na segunda-feira (14) sobre alternativas para salvar o mandato a partir de mudanças no regimento da Câmara, apesar de admitir a possibilidade de abandonar o cargo nos próximos dias, quando acaba seu período de licença.
O parlamentar divulgou em março que se afastaria do cargo para fazer nos Estados Unidos uma ofensiva a favor de sanções contra autoridades brasileiras envolvidas em processos que investigam seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e aliados. O principal alvo é o ministro do STF Alexandre de Moraes, relator na ação penal que julga uma trama golpista para impedir a posse do presidente Lula (PT).
Desde então, Eduardo passou a intensificar o discurso de que ele e familiares seriam perseguidos políticos, além de ampliar a atuação defendendo sanções a Moraes.
O comportamento gerou um inquérito aberto em maio no STF a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República). Na solicitação, a procuradoria fala em crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa e abolição violenta do Estado democrático de Direito.
A representação também ressalta, no decorrer do texto, que a "tentativa de submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado caracteriza atentado à soberania nacional", crime previsto no Código Penal. O inquérito está em andamento. Nesta sexta-feira (18), Jair Bolsonaro foi alvo de medidas cautelares sob a acusação dos mesmos crimes envolvendo Eduardo neste inquérito.
Mesmo com a investigação, o deputado licenciado continuou a ofensiva, à qual atrelou a recente decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de taxar em 50% produtos brasileiros. Outra repercussão foi o anúncio, nesta sexta, de revogação pelo governo americano dos vistos de Moraes e de "seus aliados na corte".
Para Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, a atuação de Eduardo no exterior é tão esdrúxula que foge de enquadramentos possíveis previstos na legislação brasileira.
Ele diz que a atitude do parlamentar não se enquadraria nos crimes propostos pela PGR por não envolver, por exemplo, violência ou grave ameaça, como é previsto nos crimes de coação no curso do processo e abolição violenta do Estado democrático de Direito.
Bottino também entende não ser o caso de obstrução de justiça. Isso porque a ação penal contra Jair Bolsonaro —que Eduardo tentaria obstruir— já não se encontra em fase de investigação, condição prevista em lei.
"É uma coisa tão esdrúxula [a atuação de Eduardo] que ninguém jamais pensaria que isso poderia acontecer, ninguém se preocupou em criar esse crime", diz Bottino.
A atipicidade, afirma, dificulta a responsabilização via direito penal, mas não muda o fato de que o comportamento é uma violação dos deveres previstos em lei para um deputado federal, o que poderia ensejar a cassação.
Para Davi Tangerino, advogado criminalista e professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), o crime com mais tração entre aqueles citados pela PGR é o de abolição violenta do Estado democrático de Direito, embora seja atrelado à ocorrência de violência ou grave ameaça.
A linha de interpretação proposta pelo professor é a de que condicionar a interrupção de uma tarifa definida pelos EUA a uma interferência de Lula em outros Poderes —com um pedido de anistia no Legislativo ou uma interrupção da ação penal contra Jair Bolsonaro no Judiciário— seria "uma invasão do Estado democrático".
"Há ameaças sobre sanção, tarifa e Lei Magnitsky [lei dos Estados Unidos que pune violações de direitos humanos e que Eduardo quer aplicar contra Moraes]. Será que tudo isso junto dá corpo a uma grave ameaça?", questiona. Ele concorda que o comportamento do parlamentar é quebra de decoro passível de perda de mandato, já solicitada pela oposição.
Segundo Welington Arruda, advogado criminalista e mestre em Direito e Justiça pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), as acusações contra o político poderiam se encaixar no crime de atentado à soberania, apesar da especificidade do caso.
"Temos uma situação sui generis na qual um indivíduo, que foi um dos deputados federais mais votados do Brasil, se afastou do cargo para ir aos Estados Unidos fazer lobby contra autoridades brasileiras", afirma.
Os especialistas se dividem sobre a possibilidade de uma prisão preventiva a Eduardo se ele voltar agora ao Brasil. O argumento tem sido usado pelo próprio parlamentar, que diz que pretende retornar quando "Alexandre de Moraes não tiver força para me prender".
Para Thiago Bottino, não há motivos agora que ensejariam uma preventiva se Eduardo voltasse ao país. Welington Arruda fala que isso pode acontecer a depender dos desdobramentos das investigações. Já Davi Tangerino diz que um pedido de prisão poderia ser feito com a alegação de que o político coage o STF, apesar de isso ser pouco provável.
Os especialistas afirmam que solicitações de medidas cautelares, como o ocorrido com Jair Bolsonaro, podem surgir posteriormente, caso Eduardo Bolsonaro demonstre que não voltará ao Brasil e dificulte etapas do processo ou a aplicação da lei penal, em cenário de condenação.
Crimes citados no inquérito contra Eduardo Bolsonaro por atuação no exterior
Coação no curso do processo
Artigo 344 do Código Penal: usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa
Artigo 2º da Lei 12.850/13: promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
Pena - reclusão, de 3 a 8 anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
Abolição violenta do Estado democrático de Direito
Artigo 359-L do Código Penal: tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
Pena - reclusão, de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência.
Atentado à soberania
Artigo 359-I do Código Penal: negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos típicos de guerra contra o País ou invadi-lo.
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
Fonte: Revista40graus e colaboradores