Assista à entrevista de Lula sobre o saldo da visita à China

No encerramento da jornada brasileira na China, com a Comunidade de Estados Latino-Americanos
Redação

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerra a agenda brasileira na China com o anúncio de R$ 27 bilhões em investimentos do país asiático no Brasil. Os projetos se aplicam nos setores de infraestrutura, energia limpa, automotivo, comércio eletrônico, tecnologias, entre outros. São dezenas de acordos de cooperação e parcerias. O encontro também pautou o interesse da China em promover investimentos nos países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

Foto: Ricardo Stuckert / PR
Lula é recebido pelo governo chinês

Lula fala da importância do multilateralismo nas relações exteriores. O conceito prevê o diálogo permanente entre as nações, resguardada a soberania de cada uma no trato dos assuntos econômicos e sociais. E comenta a necessidade do esforço global pela construção da paz.

O líder brasileiro foi questionado sobre o risco de os avanços das parcerias com a China causarem incômodo, e retaliações, por parte dos Estados Unidos, dado o volume de negócios entre os países. Lula afirmou que pretende melhorar as relações com a China, mas que isso não significa piorar a relação com nenhum outro país ou bloco. Lembrou que o Brasil alimenta mais de 200 anos de política externa com os Estados Unidos, que inclusive são superavitários nos negócios. E que pretende, inclusive, consolidar o Acordo Mercosul-União Europeia.

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Falou ainda sobre o desconforto do vazamento de informações a respeito do assunto TikTok, que a imprensa atribuiu a um questionamento da primeira-dama Janja Lula Silva quanto ao papel nocivo da rede social para a segurança de mulheres e crianças. Lula disse que pediu a Xi Jinping que indicasse um representante da rede social para dialogar com autoridades brasileiras, e que o presidente chinês não só disse que atenderá o pedido, como afirmou que cabe ao Brasil a decisão soberana de discutir internamente a regulação do funcionamento das redes.

O presidente elogiou as tratativas entre Estados Unidos e China em torno das tarifas do comércio exterior entre os dois países. Disse que esse tipo de diálogo deveria preceder qualquer decisão unilateral de parte a parte e que os países que compõem o Brics são enfáticos em defender o multilateralismo – pois toda decisão unilateral acarreta consequências para as economias do mundo. E ressaltou que o ambiente reforça a necessidade de se fortalecer, e não o contrário, a Organização Mundial do Comércio. Isso porque a OMC tem o papel de mediar acordos e coibir o protecionismo baseado em interesses individuais.

Lula disse que se a China conseguiu retirar mais de 800 milhões de pessoas da extrema pobreza nas últimas décadas, e se tornou a "novidade econômica e tecnológica do século 21", precisa ser considerada com respeito. "Assim olhamos a China e assim a China olha o Brasil", resumiu, citando o País como referência mundial no combate à fome.

O Sul Global é citado por Lula, com ênfase, como um bloco de países que pretende ampliar sua influência na governança do mundo. Desse modo, como assinalou, a articulação e o fortalecimento do Brics são uma forma de esses países se fazerem ouvir. Assim, enfatizou a necessidade de fortalecimento das economias, de promoção do desenvolvimento como meio de corrigir as desigualdades e de respeito aos alertas da comunidade científica à questão climática. "Precisamos firmar compromissos com nossos filhos e netos."

Sob esse aspecto – o de que o mundo precisa se engajar com mais firmeza nos acordos climáticos discutidos há décadas – o presidente voltou a criticar de maneira contundente a inexistência de uma governança global eficaz. Ele exemplificou lembrando não haver explicação para o fato de que a ONU teve forças para criar o Estado de Israel, mas não foi capaz de assegurar a criação do Estado Palestino.

E alertou, desse modo, que não adianta se tomarem decisões sérias sobre a proteção do planeta nas Conferências do Clima, as COPs, se não houver uma instância capaz de zelar pelo cumprimento dessas decisões. "Na COP 30 (a ser sediada pelo Brasil, em Belém, em novembro), vamos ver quem é quem", disse.

Nesse sentido, enfatizou, também, como exemplo negativo da falência dos organismos internacionais – que precisam mudar para o bem da humanidade –, a incapacidade do Conselho de Segurança da ONU de se impor diante de decisões unilaterais, movidas por interesses isolados. E listou ações de guerra como da Rússia na Ucrânia, dos Estados Unidos contra países do Oriente Médio e da França e Reino Unido na Líbia.

O presidente elogiou as manifestações de Donald Trump em favor de uma negociação para a paz na Ucrânia. "Foi uma decisão importante." Mas ponderou que ele (Trump) deveria contribuir também para o fim do que classificou como genocídio na Faixa de Gaza, em vez de falar em construir um resort na região ("isso não vai dar certo").

Criticou, por outro lado, setores da imprensa que cobraram do Brasil um posição mais firme em favor da Ucrânia e contra a Rússia. Explicou que sempre esteve do lado da paz, disse que não se furta a conversar com qualquer liderança, e que não vê nenhum empecilho em ligar para o presidente russo, Vladimir Putin, e pedir que participe da reunião com Volodymyr Zelensky para tratar de um cessar fogo prevista para ocorrer nesta quinta (15), na Turquia. Depois de afirmar recentemente que Putin deveria parar com a guerra e voltar à política, observou na entrevista que "todo mundo está cansado da guerra", que as vidas perdidas não têm volta e que o conflito não compensa.

Provocado a comentar rumores de que os países do Brics almejam construir unidades monetárias alternativas ao dólar no comércio exterior, Lula não desviou da pergunta. Disse que o Brics não quer "brigar com o dólar", mas que não se pode impedir os países de fazer negócios sem a dependência de uma única moeda. "Precisamos fazer diferente. Não se pode pensar no século 21 como se pensava na metade do século passado. Não se deve menosprezar a força do Brics. Existe um mundo a ser descoberto. É preciso ressurgir", defendeu. "Não queremos chefes nem xerifes. Queremos parceiros."

Lula assinalou reiteradas vezes que a governança global não cabe mais em um modelo instituído há 70 anos, apontando que "as pessoas aprenderam a desrespeitar a ONU" pela inoperância. E que a realidade exige uma nova ordem, uma instância global com poder de impedir que decisões unilaterais de determinadas nações contra outras comprometam a vida no planeta.

O presidente foi perguntado se o Consenso de Washington – tese dos anos 1970 segundo a qual os Estados nacionais devem encolher e dar o comando das economias ao mercado – está esgotado. E foi sucinto: "Hoje existem menos empresários com muito mais dinheiro do que há algumas décadas. E o mundo está pior."

Entrevista completa sobre a viagem a China abaixo:

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