Senado afrouxa penas do 8 de Janeiro e chama isso de “pacificação”

Casuísmo avança, Lula deve vetar e relator faz média no estado mais bolsonarista de 2022
Redação

O Senado aprovou, nesta quarta-feira (17), um projeto que reduz as penas dos condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 — um gesto apresentado como “equilíbrio jurídico”, mas lido por muitos como indulgência seletiva. O texto, já aprovado pela Câmara, segue agora para sanção presidencial, com indicação clara de veto integral por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Foto: Pedro Ladeira
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), em sessão da Casa

A votação terminou em 48 votos a favor e 25 contra. Na prática, o projeto reescreve o rigor penal para crimes que atentaram contra a democracia, justamente após as investigações revelarem a tentativa de subverter o resultado das eleições de 2022 — incluindo planos para assassinar autoridades da República. A conta não fecha: chama-se de ajuste técnico o que parece casuísmo legislativo.

O ponto mais sensível do texto beneficia diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro ao permitir a “unificação” dos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito. Em vez de somar as penas, passa-se a aplicar apenas a maior, com acréscimos variáveis. Some-se a isso a progressão de regime após um sexto da pena (e não mais um quarto), e o efeito prático é a redução substancial do tempo em regime fechado.

Continue lendo após a publicidade
Foto: Reprodução
Esperidião Amim.jpg

O relator, senador Esperidião Amin (PP-SC), promoveu ajustes de “redação” — tecnicalidade que evita o retorno do projeto à Câmara e acelera a tramitação antes do recesso. Coincidência ou cálculo político, o gesto vem de um parlamentar de Santa Catarina, estado que liderou o bolsonarismo nas urnas em 2022. A democracia agradece a sinceridade do recado.

No plenário, governistas reagiram. “O maior crime de um homem público é atentar contra a democracia”, disse Marcelo Castro (MDB-PI). “Golpista cumprir pena é o que pacifica o país”, reforçou Renan Calheiros (MDB-AL). Já a oposição preferiu a narrativa do “excesso do Judiciário” e do “pipoqueiro injustiçado”, enquanto empurra para debaixo do tapete os comandantes do ataque às instituições.

O líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), permitiu a votação, mas manteve posição contrária ao mérito, lembrando que o veto presidencial recoloca o debate nos trilhos constitucionais. Lula, por sua vez, deve barrar o texto integralmente.

No fim, o episódio deixa uma lição clara: democracia não é capítulo a ser “virado” com atalhos legislativos. Reduzir penas de quem tentou derrubá-la não pacifica — normaliza. E isso, definitivamente, não é técnica; é escolha política.

Leia também