Declaração modesta, apreensão robusta

Entre R$ 4 mil no papel e R$ 430 mil em espécie, a transparência pede explicações
Redação

O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), descobriu nesta sexta-feira (19) que a aritmética eleitoral pode ser cheia de surpresas. Alvo de uma operação da Polícia Federal, o parlamentar teve cerca de R$ 430 mil em dinheiro vivo apreendidos em um endereço a ele ligado — valor que contrasta de forma eloquente com o patrimônio informado por ele próprio à Justiça Eleitoral.

Foto: Polícia Federal
Dinheiro apreendido na casa do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), alvo de operação da PF

Nas eleições de 2022, Sóstenes declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) possuir exatos R$ 4.926,76 em conta corrente, distribuídos em dois modestos saldos bancários: R$ 4.321,75 e R$ 605,01. Um retrato de sobriedade financeira que, ao menos no papel, não deixava margem para cofres paralelos ou gavetas generosas.

Foto: Câmara dos Deputados
Sóstenes Cavalcante

O histórico patrimonial segue a mesma linha. Em 2018, ainda filiado ao DEM, informou pouco mais de R$ 12 mil em depósitos bancários e um veículo Hyundai Tucson 2011/2012. Já em 2014, pelo PSD, o mesmo carro apareceu avaliado em R$ 67,5 mil, sem maiores exuberâncias.

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A apreensão realizada pela PF ocorreu no contexto de mandados de busca e apreensão que também atingiram o deputado Carlos Jordy (PL-RJ), outro aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro. No caso de Sóstenes, a diferença entre o declarado e o encontrado chamou atenção não pelo ilegal em si — já que a origem do dinheiro será apurada —, mas pela curiosa distância entre a vida financeira informada ao eleitor e a realidade material agora sob investigação.

Questionado, o deputado afirmou que os R$ 430 mil seriam fruto da venda de um imóvel em Minas Gerais. A versão, contudo, passou por ajustes ao longo do dia: primeiro, disse que o bem era de sua propriedade desde 2020; depois, afirmou que a compra teria ocorrido após as eleições de 2022. Detalhes que, certamente, serão esclarecidos nos autos, onde a verdade costuma ser menos flexível do que o discurso político.

No Estado Democrático de Direito, declarações patrimoniais não são peças de ficção, mas instrumentos de transparência. E, como lembra a própria lei, não basta dizer — é preciso comprovar.

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