TJ-PI confirma júri popular e lembra que volante não é brinquedo de influenciador
Defesa tentou “esclarecer” o dolo eventual, mas tribunal achou que a lei já explica sozinha
RedaçãoO Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI) decidiu, com a calma técnica que falta a alguns motoristas na BR-316, negar o recurso da defesa de Pedro Lopes Lima Neto, o “Lokinho”, e de seu ex-marido, Stanlley Gabryell, o “Brisak”. A consequência é simples — e amparada no Código de Processo Penal: os dois serão julgados pelo Tribunal do Júri. Afinal, quando duas pessoas morrem após uma caminhonete em alta velocidade “assustar” pedestres, o juízo natural para crimes dolosos contra a vida não é a caixa de comentários, é o júri popular.
Segundo o assistente de acusação, advogado Marcus Vinícius de Brito, o Tribunal entendeu que há indícios suficientes de que os acusados assumiram o risco de matar ao transformar uma rodovia federal em cenário de vídeo radical. “Será o júri que vai decidir se houve dolo ou culpa”, explicou. Mas não qualquer dolo — aquele previsto nos livros de direito, em que o desprezo pela lei e pela vida substitui a direção defensiva.
A defesa apresentou embargos alegando que o acórdão não teria explicado com carinho pedagógico o conceito de dolo eventual. Mas os desembargadores, aparentemente mais ocupados com jurisprudência do que com storytelling digital, não viram contradição alguma. Concluíram que o caminho correto é exatamente o que a Constituição manda: julgamento pelo júri.
Ainda cabe recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). E, curiosamente, a acusação vê isso como algo positivo: se confirmado em três instâncias, talvez ninguém alegue surpresa quando descobrir que dirigir sem habilitação, em alta velocidade e mudando de faixa “para assustar” pedestres tem consequências jurídicas — não curtidas.
Relembre o caso: quando a rodovia virou roteiro de tragédia
O atropelamento aconteceu em 6 de outubro de 2024. Marly Ribeiro, 40, e Kassandra de Sousa, 36, caminhavam com crianças e familiares às margens da BR-316. Segundo as provas, a caminhonete conduzida por Stanlley estava em alta velocidade, sem CNH, e teria feito uma manobra brusca — supostamente para assustar quem andava ali. A “brincadeira” terminou em colisão. Kassandra morreu no local, Marly no hospital. Duas crianças ficaram gravemente feridas, e uma delas, de 11 anos, segue com sequelas permanentes.
A Justiça determinou apoio financeiro às vítimas sobreviventes. Porém, segundo a acusação, a obediência judicial parece não render engajamento nas redes — e não está sendo cumprida. “O que mais irrita a família é a galhofa com que tratam tudo isso, como se fosse uma brincadeira”, relatou o advogado.
Tese do Ministério Público: homicídio com dolo eventual
O Ministério Público do Piauí sustenta que os influenciadores devem responder por homicídio com dolo eventual — quando o motorista, ao dirigir de forma perigosamente consciente, assume o risco de matar. Também devem responder por lesão corporal grave das vítimas sobreviventes.
O julgamento ainda não tem data. A definição depende da eventual parada final no STJ, onde a defesa tenta convencer que alta velocidade, falta de habilitação, manobra para “assustar” pedestres e duas mortes seriam um grande mal-entendido — e não aquilo que o Código Penal descreve de maneira bem objetiva.
Até lá, a lei segue: vida não é conteúdo viral, e responsabilidade não é opcional.