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O crime nas redes ou no fundo delas

A internet é uma espécie de terceira natureza, que conduz mentes vulneráveis
Redação

Em intervenção exemplar, a polícia carioca antecipou-se a um crime, prendendo três jovens maiores de idade que planejavam matar um morador de rua no domingo de Páscoa. A execução seria transmitida online a um público pagante, expectadores habituais de suas exibições de maus tratos a animais e pregações contra mulheres, negros e homossexuais. Apurou-se que é largo o espectro de adolescentes atraídos por essa iniciação à barbárie.

É coisa antiga a atração pública pelo crime. Richard Speck, conhecido como "o monstro de Chicago" por ter assassinado em uma noite de verão (1966) oito enfermeiras, recebia, na prisão, cartas de amor anônimas, algumas com dinheiro, outras com sua foto marcada de batom. As paixões inflamadas por anomalias alimentam o espetáculo do crime. Isso que Jean-Paul Sartre atribuía, na França, à "imprensa de direita da bunda e do sangue" e o levou a participar da fundação do Libération como um diário que contribuísse para o desenvolvimento real da democracia política por meio de uma "escrita-falada", próxima ao mundo do trabalho.

Foto: Arun Sankar - 22.mar.18/AFPAplicativos de redes sociais no celular
Aplicativos de redes sociais no celular

O alvo crítico de Sartre era o "fait-divers", isto é, os relatos jornalísticos sobre a irrupção do insólito, identificado sempre com alguma violação das normais culturais ou naturais, como o acidente, o crime, a catástrofe. Só que isso não estava necessariamente ligado à direita política, e sim à imprensa sensacionalista, que explorava o fascínio sadomasoquista dos leitores pelo mórbido ou pelo horror. O que aí conta de fato são os sentimentos mais arcaicos do indivíduo, em geral apreendidos pelas lentes da psicanálise e da psiquiatria.

Mas a recente notícia, pela imprensa francesa, da morte de uma jovem estudante em Nantes, assassinada com 57 facadas, oferece outra perspectiva. Segundo o relato, o assassino, também adolescente, num manifesto delirante, "sintetiza todas as loucuras ideológicas que gangrenam hoje as nossas sociedades". Em 13 páginas, fascinado por Hitler, ele denuncia o "neurocapitalismo", supostamente responsável pela transformação dos cérebros em instrumentos de dominação econômica e tecnológica, que promoveriam um "ecocídio globalizado". É a sua justificativa para "vingar a humanidade", assassinando uma desconhecida.

A cobertura jornalística não configura um "fait-divers". Embora confinado a um hospital psiquiátrico, esse jovem não é mero doente, protagonista isolado de um fato. Ao olhar crítico, ele seria "talvez uma prévia da assustadora racionalidade dos loucos de amanhã". Mais do que uma prévia, porém, um padrão ideológico já em curso na realidade paralela e transnacional das redes sociais, onde se multiplicam grupos organizados com motivações fascistas.

Os três jovens apreendidos pela polícia carioca (o mais velho, de 24 anos, é militar) demonstravam racionalidade operativa, comprovada no planejamento de suas lives de horror. As redes constituem uma espécie de terceira natureza (a segunda é o hábito), que conduz consciências vulneráveis por veredas sinistras. Não se trata de moldar cabeças, velha hipótese sobre a influência da mídia, mas de caminhar na escuridão moral aberta pelo espaço virtual. Se o motor do percurso é o prazer transgressivo inerente à adolescência, o ponto de chegada é o crime real no fundo das redes.

 

Fonte: Revista40graus e colaboradores

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